Ontem, pelas cinco da tarde, ao aproximar-me da janela para saber do motivo da sirene que se fazia ouvir, reparei que, como numa brincadeira de crianças, as pessoas pareciam congeladas no meio da rua, os ciclistas apeados das suas bicicletas, os carros imóveis como se o semáforo tardasse em mudar de côr. Durou um minuto o que mais tarde me explicaram ser uma homenagem ao levantamento de Varsóvia contra a ocupação nazi, que teve início a essa hora, a 1 de Agosto de 1944, e que durou 63 dias até ser brutalmente esmagado pelo invasor, enquanto o Exército Vermelho assistia na outra margem do Vístula. De repente, tornou-se clara a profusão de bandeiras nacionais nas janelas das casas, nas frentes dos autocarros, nas traseiras das bicicletas. E tornou-se evidente também o ajuntamento, à hora do almoço, junto das ruínas do Palácio de Saski, sob as quais dois militares guardam, dia e noite, a chama que honra o soldado desconhecido. Perto da uma da tarde, ouviu-se ali uma salva de três tiros. Mulheres assustaram-se, homens carregaram o semblante e crianças choraram. Duraram segundos esses tiros, e as armas estavam apontadas para o céu. Durante a II Guerra Mundial terá sido diferente. Três tiros apenas, a estremecer uma tarde soalheira e a fazer-nos duvidar de nós próprios. A recordar que somos tão frágeis como uma paz que nunca devemos dar por garantida.