31 de jul. de 2011

Mar(es) do Norte


Acredite-se ou não, a água do Báltico não é mais fria que a do nosso Atlântico. O problema não é tanto a temperatura do mar, mas a temperatura do ar...

30 de jul. de 2011

E o mar aqui tão longe...


Sopot seria o Estoril polaco se não fosse distar centenas - e não dezenas - de quilómetros da capital. De resto, tem tudo o que reconhecemos numa estância balnear dos bons velhos tempos: os chalets fin-de-siècle, os grands hôtels de entre-guerras, o casino à beira-mar plantado, um festival de música, bem como outro de teatro, e naturalmente um areal de perder de vista. Não sei se ainda é um destino procurado pelos veraneantes que tinha em mente Jean Georges Haffner, o médico do exército napoleónico que, em 1823, lançou as bases deste resort terapêutico e, uns anos mais tarde, do seu característico pontão que, entrando meio quilómetro pelo Báltico adentro, acolhe o maior banco corrido de madeira da Europa. Uma coisa é certa: Sopot continua em alta. À hora do jantar, rapazes e raparigas começam a vaguear pelas ruas, oferecendo-se, em nome da cidade, para responder à pergunta que trazem impressa nas t-shirts: Where´s the party? É um trabalho meritório, mas perfeitamente supérfluo. Toda a gente sabe que a festa é porta-sim-porta-sim no Monte Cassino, a maior aglomeração de restaurantes, bares e discotecas a que uma rua pedonal jamais assistiu. Em Sopot, as noites são quase tão longas como os dias de Verão.

29 de jul. de 2011

Paredes meias com a história



Moro no bairro de Wola, onde hoje restam poucos vestígios do gueto judeu que o regime nazi estabeleceu em 1940 para isolar quase meio milhão de almas do resto da população; primeiro com arame farpado e, mais tarde, com paredes de tijolo. Cheguei para viver num lugar de onde muitos partiram para morrer. No meu caso, foi uma coincidência. Outros, antes de mim, não puderam dizer o mesmo.

28 de jul. de 2011

Euromilhão



A adesão à União Europeia não se contabiliza apenas em ganhos, mas também em perdas. Segundo uma notícia recente, a maior perda da Polónia neste contexto foi em termos de população. Dos mais de dois milhões de polacos que terão saido do mercado interno para entrar no Mercado Interno, cerca de metade não deverá regressar ao país. Nem todos são canalizadores...

27 de jul. de 2011

Fiat lux


No início da Criação, Deus disse: "Faça-se luz". E a luz foi feita. No início da Secessão, Stanislaw Wyspianski disse: "Faça-se luz". E a obra homónima foi feita. Um dos expoentes da Arte Nova polaca, a ver na Igreja dos Franciscanos, em Cracóvia.

26 de jul. de 2011

Off the beaten track


O caminho mais curto entre a praça principal de Cracóvia e o seu castelo real não passa pela ulica Retoryka, uma rua conhecida pelas casas que ali construiu Teodor Talowski (1857-1910). Dono de um estilo exuberante, mistura de neo-gótico e neo-maneirista, o arquitecto não poupou os seus projectos de alguma ironia. Uma das casas é encimada por um sapo a tocar guitarra, enquanto noutra se destaca uma cabeça de burro com a inscrição “cada um é senhor do seu destino”. Para a casa onde viveu, optou pela frase “ars longa, vita brevis”. O tempo veio dar-lhe razão. O seu génio artístico sobreviveu à sua curta existência.

25 de jul. de 2011

Ao segundo sinal...


Há vários motivos que tornam especial a igreja gótica de Santa Maria na praça principal de Cracóvia, construída para rivalizar com a catedral do castelo de Wawel, na margem do rio Vistula. Um exemplo são as suas torres assimétricas e outro o facto de, numa delas (à esquerda, na foto), soar, a todas as horas, o toque da trombeta. Esse toque (heijnal mariacki), que é, desde 1921, transmitido pela rádio ao meio-dia, é propositadamente interrompido pelo trombetista, que assim honra um outro habitante da cidade, alvejado ao soar o alarme na iminência de um ataque tártaro, em plena Idade Média. O heijnal é tocado todos os dias, ao início de cada hora, até à última nota que se ouviu nesse dia fatídico de 1241.

24 de jul. de 2011

Senhor, fazei de mim um instrumento da vossa paz


São Francisco de Assis. E de Cracóvia também?

23 de jul. de 2011

Un paraguas para tres


E foi assim que descobri que a minha gabardina necessitava de um companheiro. Quando disse ao vendedor que tinha pensado num modelo mais pequeno do que aquele que me aconselhava, ele voltou a exibir o guarda-chuva em todo o seu diâmetro e tornou a apontar para a dúzia e meia de varetas que atestavam a sua fiabilidade. “Você precisa de um guarda-chuva que dure até ao Natal, não de um que só dure até ao fim-de-semana. E, além disso, precisa de um guarda-chuva grande, porque não há nada mais triste do que andar à chuva sozinho”. Na Polónia, os vendedores de guarda-chuvas são poetas nas horas vagas.

22 de jul. de 2011

Para... quê?


Há momentos em que sabemos que estamos certos, por mais que o mundo à nossa volta nos queira convencer do contrário. Foi o que senti quando, há três semanas, embarquei para Varsóvia com uma gabardina pendurada no antebraço, rodeado de viandantes vestidos de calções e despidos de precauções. Pouca gente sabe que as alterações climáticas transformaram a Polónia num país subtropical, onde dias de canícula estival rimam com outros de chuva torrencial. Anteontem o metro inundou, houve literalmente mortos e feridos, e eu saí do eléctrico directamente para um concurso de t-shirts molhadas a céu aberto. Quem duvida da auto-ironia dos polacos desconhece que, nesta terra, guarda-chuva dá pelo nome de parasol.

21 de jul. de 2011

Cenas de um casamento*


É quase impossível – e, de resto, altamente desaconselhável – chegar ao fim de um dia de sightseeing em Varsóvia sem ter entrado numa dúzia de igrejas. No sábado passado, devo ter entrado numa vintena delas, e raras foram aquelas em que não estava a decorrer um casamento. À terceira vez, percebi finalmente por que a cidade antiga estava cheia de gente que envergava, com uma pinta de orgulho e um dia de antecedência, o seu fato domingueiro. A seriedade com que o casamento é aqui vivido já me tinha saltado à vista quando dei de caras com a Wedding TV entre os cinquenta canais de televisão que entretanto me instalaram. O nome diz tudo e ninguém vai ao engano: são vinte e quatro horas diárias de passagens de modelos de noivas, documentários sobre destinos de lua-de-mel, perfis de pasteleiros gourmet e, naturalmente, muitos vídeos editados do dia mais feliz das nossas vidas.

*A fotografia é da entrada do restaurante Ale Gloria, cuja decoração kitsch nos dá a sensação de estarmos a jantar dentro de um bolo de noiva.

20 de jul. de 2011

Varsóvia é uma cidade cinzenta



Yeah, right...
(Biblioteca Universitária)

19 de jul. de 2011

There’s more to life than this*


Há dias vi como, na minha rua, um balão encarnado se desprendeu da mão de uma criança e, à medida que subia em direcção ao céu, foi consertando as janelas e pintando de novo as paredes de um prédio antigo e desolado. Parece que o fenómeno se repete em muitas outras ruas da cidade, onde casas inteiras ganham um novo alento à passagem de outros balões encarnados, que não se sabe de onde vêm e se perdem no infinito. Dizem que é preciso estar com atenção para nos darmos conta. E que há quem não veja porque duvida. Porque é preciso crer para ver.


* Título emprestado pela Björk, mas ainda não devolvido.

18 de jul. de 2011

Esplendor na relva



Todos os domingos de Verão, às 12h e 16h, há concertos gratuitos no Park Lazienki - à letra, Parque dos Banhos - junto ao monumento art déco de Fryderyk Chopin. Centenas de pessoas sentadas ou deitadas a ouvir o que lhes legou um compositor que morreu cedo demais.

17 de jul. de 2011

Twenty four seven



Há muito que as lojas de conveniência chegaram a Varsóvia. Esta é a mais próxima de minha casa.

16 de jul. de 2011

Walk / Don't Walk



Os polacos recusam-se a atravessar a rua se o sinal não estiver verde para os peões. Ainda não entendi se o fazem por causa dos polícias de pé ligeiro ou dos automobilistas de pé pesado.

15 de jul. de 2011

Aqui o café não é um bem de primeira necessidade...


... ao contrário de Portugal, onde terminamos o almoço com o quarto ou o quinto do dia, se calha ainda os contarmos. Porque, se assim fosse, uma bica-em-chávena-escaldada-e-um-copo-de-água-já-agora ou uma italiana-bem-tirada-com-adoçante-se-faz-favor não custariam o mesmo que um cappuccino ou um latte macchiato. (É de mim ou parece haver mil e uma maneiras de escrever cappuccino e latte macchiato?) O que não falta em Varsóvia são cafés, dos tradicionais àqueles que nos ensinaram a bebericar de copos de papel para ficarmos com ar executivo. Mas os polacos parecem não precisar das nossas constantes injecções de cafeína (a primeira dose para nos conseguirmos ver ao espelho, logo outra para nos lançarmos à estrada, mais uma para encararmos o chefe e a última do dia para enfrentarmos a segunda parte de um bailado pós-moderno). Na Polónia o café é um prazer que requer tempo e calma. Dirão os mal-intencionados que terá algo que ver com a prontidão do serviço, mas eu não estou aqui para julgar ninguém.

14 de jul. de 2011

Fortaleza Europa


Ao entrarmos na Aleje Jana Pawla II, como quem vem da estação central, somos assaltados por um grupo de soldados comunistas que saem pelas janelas de um prédio de outros tempos. Contudo, se repararmos bem nos seus capacetes, vemos que, afinal, a foice que os mesmos ostentam não é atravessada por um martelo, mas por dois traços, o que a faz assemelhar-se ao símbolo do Euro. Não dá para perceber se a moeda única europeia surge neste contexto como uma ameaça ou uma salvação, mas uma coisa é certa: a Polónia foi o único Estado-Membro europeu que continuou a crescer durante a actual crise económica e as suas autoridades já deram a entender, por outras palavras, que não têm pressa em aderir ao Euro. Para os polacos, o Euro prioritário é mesmo o Euro 2012...

13 de jul. de 2011

Respirar fundo e contar até... 200



Um dia hei-de conseguir distinguir o 9 (dziewiec) do 10 (dziesiec), o 20 (dwadziescia) do 200 (dwiescie). E também o 9 do 20, o 200 do 9, o 10 do 20, o 200 do 10...

12 de jul. de 2011

E se um desconhecido lhe oferecer flores...


...isso não é um impulso. É provavelmente uma brincadeira do seu namorado, que pediu a alguém que conhece em Varsóvia para a surpreender na sua passagem pela cidade. Ontem fui comprar flores para uma desconhecida. Em número ímpar, como convém. Na Polónia só os mortos recebem flores em número par.

11 de jul. de 2011

São Alexandre da Porta Aberta



O centro da Praça das Três Cruzes é ocupado pela igreja de Santo Alexandre, um exemplo da arquitectura neoclássica do início do século XIX, que deve o seu nome ao czar russo que por aquela altura foi cororado rei da Polónia. A igreja não é pequena, mas a missa das sete da tarde de ontem foi de tal modo concorrida que metade dos fiéis teve de assistir de pé à liturgia e, de entre estes, uma boa parte do lado de fora da igreja, acompanhando as leituras e os salmos através das portas envidraçadas entreabertas. Hoje ao almoço, um colega chileno, que leva dois anos de Varsóvia, disse-me que o surpreendente era as igrejas não encherem e garantiu já ter visto altifalantes montados no exterior de muitas, para todos aqueles que não conseguem passar da porta...

10 de jul. de 2011

Ainda a importância do olhar


Se não olharmos uns para os outros, como olharemos uns pelos outros?

9 de jul. de 2011

Wild Wild East



Cowgirls e índias num restaurante da Pasaż "Wiecha".

8 de jul. de 2011

Cherry on top


Um país civilizado é um país onde se pode beber livremente Cherry Coke. Posso ainda não ter descoberto onde se escondem as garrafas de litro e meio, mas há suficientes exemplares de menor volume espalhados por toda a cidade. A cola com sabor a cereja exibe-se orgulhosamente tanto no supermercado, como no café de bairro, como ainda na máquina do metro, alinhada ao lado da sua irmã hiperactiva Sem Cafeína e da sua prima anoréctica Zero. Não me venham com histórias. Refrigerante que se preze sabe artificialmente bem e faz naturalmente mal.

7 de jul. de 2011

O melhor café é o da... Francesa


Do poeta da Brasileira para a poetisa da Francesa. Tal como em Lisboa, no bairro do Chiado, também é possível em Varsóvia, no bairro de Saska Kępa, tomar um café ao lado de uma figura maior da literatura nacional. Na ulica Francuska – à letra, rua Francesa – o café Rue de Paris tem como cliente habitual a poetisa Agnieszka Osiecka (1936-1997). Escreveu prosa e poesia. Escreveu para cinema e teatro. E foi autora dos textos de mais de duas mil canções, entre as quais “Małgosia”, votada pelos polacos como a canção mais popular do século XX.

6 de jul. de 2011

Polish for cyclers


A minha primeira aula de polaco foi totalmente involuntária. E decorreu em simultâneo com a minha primeira aula de cycling, uma das muitas modalidades disponíveis no ginásio que se encontra convenientemente localizado ao lado do meu prédio. Depois de hora e meia a pedalar sem sair do lugar, aprendi a contar até quatro, a distinguir “em baixo” de “em cima” e sobretudo a responder, de modo obediente, à reiterada voz de comando “mais carga!”. Já suspeitava que o polaco fosse uma língua difícil, mas nunca pensei que me deixasse a transpirar.

5 de jul. de 2011

A vida é bela


Prédios socialistas servem de suporte a anúncios capitalistas na Aleje Marszałkowska.

4 de jul. de 2011

Olhos nos olhos


Vivi cinco anos num país onde as pessoas evitavam cruzar o olhar. Também por isso, era sempre um prazer voltar a Portugal, onde nos entreolhamos sem problemas ao passarmos uns pelos outros. Em Varsóvia, esse olhar demora mais um segundo do que em Lisboa. Não é um olhar de desafio, nem necessariamente de sedução, mas antes de curiosidade, de tomada de consciência de quem entra no restaurante onde estamos sentados ou sai do eléctrico que vamos apanhar. E é um olhar que demora o tempo suficiente para despertar por vezes um sorriso incontido em quem não está habituado. Um sorriso que, para maior surpresa, é muitas vezes correspondido.

3 de jul. de 2011

Rock Hard + Hard Rock


Um dos símbolos de Varsóvia é, simultaneamente, um dos seus edifícios mais altos. Com 231 metros de altura, o Palácio da Cultura e da Ciência oferece, desde 1955, as melhores vistas da cidade. Trata-se de "um presente do povo soviético", encomendado por Estaline no mais puro estilo do Realismo Socialista, para cuja conclusão foram necessários 40 milhões de tijolos. Apesar da vista panorâmica, este monumental rochedo, plantado no centro da cidade, não é tão visitado como o seu mais recente vizinho, o centro comercial Złote tarasy, pelo qual passa todos os meses um milhão de pessoas e do qual faz parte o omnipresente Hard Rock Café. Do tempo do comunismo ao templo do consumismo vai apenas um passo.

2 de jul. de 2011

Como é o teu Deus?


King Roger
What is your god like?
Shepherd
My God is as beautiful as I am.

Ontem, na Ópera Nacional, um rei chamado Rogério colocava a um pastor uma questão tão antiga como a Humanidade. A acção desta ópera, que o polaco Karol Szymanowski compôs nos anos 20, tem lugar na Sicília do século XII. E se fôssemos nós a responder hoje a esta pergunta, o que diríamos?

1 de jul. de 2011

Hoje é o primeiro dia do resto da nossa vida


Eles nem tentam, porque não saberiam disfarçar. Os polacos não cabem em si de orgulho por assumirem hoje a Presidência do Conselho da União Europeia. Em Varsóvia, é inclusivamente possível escolher a Presidência como motivo de fundo do passe para os transportes públicos. Fui tratar do meu esta tarde e, entre as várias opções que me deram, não resisti a ver a minha fotografia enquadrada por uma dúzia de estrelas douradas. Até ao final do ano, não é só a Polónia que dá a cara pela Europa!